Você já parou pra pensar quanto custa alimentar uma criança na escola pública por um único dia? Não estamos falando só do preço dos alimentos, mas de toda a estrutura por trás de uma refeição servida com qualidade, equilíbrio nutricional e segurança. É uma conta que envolve logística, planejamento, profissionais, e claro, muito cuidado.
No Brasil, esse custo varia conforme o tipo de ensino, a região e o número de refeições diárias. Uma criança da creche, que passa o dia inteiro na escola, consome mais do que um aluno do ensino fundamental que só estuda meio período. Além disso, há diferenças nos cardápios — com ajustes conforme idade, necessidades alimentares específicas e até restrições culturais.
O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), coordenado pelo FNDE, é o responsável por financiar essa alimentação. Ele define valores per capita (ou seja, por aluno) e distribui recursos para estados e municípios. Mas esses valores nem sempre acompanham a realidade dos preços dos alimentos, o que gera desafios na execução dos cardápios.
Nesse artigo, vamos destrinchar esse custo. De onde vem o dinheiro? Quanto realmente é investido por aluno? Como as escolas organizam essa logística? E quem são os profissionais por trás dessa engrenagem silenciosa que alimenta milhões todos os dias? Prepare-se pra entender como cada prato servido carrega muito mais do que arroz e feijão.
O valor repassado por aluno e a diferença entre etapas de ensino
Vamos aos números: atualmente, o valor repassado pelo governo federal através do PNAE varia de acordo com a etapa de ensino. Em 2024, por exemplo, o repasse diário por aluno é de R$ 1,07 para o ensino fundamental e médio, R$ 1,30 para o ensino integral, R$ 1,15 para a pré-escola e R$ 2,00 para creches. Esses valores são por dia letivo — e sim, parecem baixos, né?
Mas não para por aí. Além do tipo de ensino, há categorias específicas com valores diferenciados, como alunos indígenas e quilombolas (R$ 2,34), ou em educação de jovens e adultos (R$ 0,53). Essas diferenças existem porque os contextos exigem ajustes no tipo e na quantidade de alimento oferecido.
O problema é que esses valores, muitas vezes, não acompanham o aumento dos preços dos alimentos. Com a inflação, o repasse fica defasado, e cabe aos estados e municípios completarem o orçamento — o que nem sempre acontece. Resultado? Escolas que precisam “fazer mágica” para manter uma alimentação equilibrada com poucos recursos.
Como os recursos são utilizados na prática
O dinheiro do PNAE chega aos estados e municípios em cotas mensais, depositado diretamente em uma conta específica. Esse recurso deve ser usado exclusivamente para compra de gêneros alimentícios, respeitando uma série de exigências: pelo menos 30% devem vir da agricultura familiar, por exemplo. Isso estimula a economia local e garante alimentos mais frescos.
Além da compra dos alimentos, o recurso precisa cobrir toda a estrutura logística: transporte, armazenamento, equipamentos de cozinha, utensílios… e em alguns casos, até o gás de cozinha entra na conta. Por isso, o valor que chega ao prato do aluno é sempre menor do que o valor bruto repassado.
A gestão correta desses recursos exige planejamento e controle rigoroso. O uso indevido ou a má aplicação dos recursos pode acarretar penalidades aos gestores. Daí a importância dos conselhos de alimentação escolar (CAE), que fiscalizam a execução do programa, e também da capacitação de quem atua diretamente na merenda.
Quem são os profissionais por trás da alimentação escolar
Por trás de cada prato servido, existe uma cadeia de profissionais que planejam, executam, avaliam e adaptam a alimentação escolar. Nutricionistas são os responsáveis técnicos pela elaboração dos cardápios, mas não trabalham sozinhos. As merendeiras, coordenadores e técnicos formam uma equipe essencial nessa engrenagem.
É aqui que entra a figura do técnico em Alimentação Escolar. Esse profissional atua diretamente no preparo das refeições, seguindo orientações nutricionais e normas sanitárias. Ele também ajuda no controle de estoque, no recebimento de alimentos, no armazenamento correto e até na educação alimentar dos alunos.
Além da formação, a experiência conta — e muito. Saber adaptar receitas conforme o que chegou da agricultura familiar, reduzir desperdício e manter o sabor (e a aceitação dos alunos) é uma arte. E uma arte que exige técnica, responsabilidade e sensibilidade. Afinal, alimentar crianças não é só cozinhar. É cuidar de vidas em fase de desenvolvimento.
Logística, armazenamento e desperdício: onde o dinheiro escapa
Mesmo com todo o planejamento, boa parte dos recursos pode se perder na logística. Um dos maiores desafios enfrentados pelas escolas é o armazenamento adequado dos alimentos — especialmente nas áreas rurais ou em regiões sem infraestrutura. Sem geladeiras suficientes, alimentos perecíveis podem estragar rapidamente.
Outro problema é o transporte. Muitas vezes, o alimento sai da central de distribuição em condições ideais, mas chega à escola fora da temperatura adequada, ou com embalagens danificadas. Isso gera perdas — e perda, nesse caso, é desperdício de dinheiro público. Literalmente.
A falta de treinamento também impacta diretamente o uso eficiente dos recursos. Profissionais sem formação específica podem cometer erros simples que afetam a conservação ou a preparação dos alimentos. E se os alunos rejeitam o prato, o prejuízo é duplo: nutricional e financeiro.
Como a agricultura familiar entra na equação
O PNAE estabelece que, no mínimo, 30% dos alimentos comprados devem vir da agricultura familiar. Essa política tem um impacto positivo em várias frentes: fortalece a economia local, garante alimentos frescos e de melhor qualidade e reduz o tempo entre colheita e consumo — o que é ótimo do ponto de vista nutricional.
Mas nem sempre essa relação é simples. Muitos agricultores familiares enfrentam dificuldades para formalizar suas vendas, emitir notas fiscais ou atender às exigências dos editais. Isso faz com que, em algumas regiões, as escolas não consigam atingir esse percentual mínimo.
Quando bem organizada, essa parceria é vantajosa para todos. O agricultor tem uma fonte de renda estável, e a escola garante produtos regionais e sazonais com menor custo de transporte. A logística fica mais eficiente, e o dinheiro circula dentro da comunidade. Alimentar bem o aluno, nesse caso, também significa alimentar a economia local.
Desafios e soluções para manter a qualidade com poucos recursos
A principal queixa de quem trabalha com alimentação escolar é a dificuldade de manter cardápios equilibrados e variados com o orçamento disponível. Os reajustes nos valores repassados nem sempre acompanham a inflação dos alimentos. Além disso, os custos operacionais (como gás, energia e manutenção) seguem aumentando.
Apesar disso, muitas redes conseguem driblar os obstáculos com criatividade e organização. Um bom planejamento de compras, o reaproveitamento inteligente de alimentos, o controle de porções e o envolvimento de toda a comunidade escolar são estratégias que ajudam a fazer mais com menos.
Também é essencial valorizar e investir na formação contínua da equipe. Quanto mais capacitado o profissional, menor o desperdício, maior a eficiência no preparo e melhor a aceitação por parte dos alunos. Afinal, uma merenda bem feita é aquela que alimenta de verdade — e que cabe no bolso da escola pública.